Há algo mais frustrante do que antecipar o final de um filme por
incompetência alheia? Por vezes não basta evitar amigos linguarudos.
Espectadores mais experientes conseguem distinguir elementos que
antecipam a resolução da história. Quantas vezes identificaram o
assassino antes da própria personagem cometer o crime? Esta especial
PróximoNível não se resume à
Sétima Arte.
Há a sublinhar que a dimensão de “história” é transversal a todas as
plataformas de entretenimento, e as técnicas base da narrativa são
aplicadas em séries, cinema, livros e videojogos.
Posto isto. Quando surge o
spoiler que
não arruína a experiência? Há uma espécie de
“spoilers axiomáticos” que não causam faísca, fundamentalmente tratam temas públicos (
Zero Dark Thirty), dramas inspirados em histórias de domínio comum (
Paixão de Cristo)
ou simplesmente apelam à tremenda necessidade do ser-humano de sentir
felicidade (nomeadamente filmes cujo cartaz garante à partida que o
casal apaixonado viverá feliz para sempre).
Porém há
spoilers que não são aceites com o ânimo leve. Sobretudo quando ligados às
decisões das personagens e/ou à sequência de eventos. Quais são os géneros onde o
spoiler é mais dramático? Essencialmente filmes que utilizam as técnicas do
suspense e
mistério (aperfeiçoadas por
Alfred Hitchcock) ou quando o filme prepara uma
surpresa. A
surpresa pode ser aplicada em casos pontuais para aumentar o mistério ou o suspense, ou como técnica privilegiada na comédia (
como estragar uma anedota? Começar pelo fim). Mas a maior
surpresa é o famigerado
twist, que altera a percepção da história (
Fight Club,
Suspeitos do Costume,
O Sexto Sentido). É o elemento da revelação que o filme não deve comprometer antes do momento pretendido.
Aqui está um
top, sem qualquer hierarquia, dos
spoilers que podem arruinar a experiencia cinematográfica. (Excluindo os
trailers. Apesar do intuito de cativar o espectador, às vezes resumem o filme em dois minutos. Não é senhor
Ang Lee? E o maldito
trailer de
A Vida de Pi).
O cliché
Não é segredo, a maioria dos filmes aplica um sistema denominado:
estrutura clássica. E existem vários elementos transversais a todas as
histórias: arquétipos, a jornada do herói, o chamamento para o
desconhecido,
plot point… Esta receita é tão evidente que podemos fazer o seguinte paralelismo:
Harry Potter e
Luke Skywalker. Apesar de pertencerem a galáxias diferentes ambos foram adoptados pelos tios; os companheiros de aventuras são
Hermione e
Ron, e
C-3PO e
R2-D2 que correspondem aos arquétipos da razão e da emoção;
Dumbledore e
Obi-Wan como arquétipo do mentor… (Agora façam o exercício com
Frodo na caixa de comentário).
Quando o filme utiliza fórmulas sem elementos novos, pode banalizar a
experiência e antecipar o desenlace. Admitindo que por vezes é
impossível evitar a fórmula clássica, como tornar o filme interessante?
Introduzir bons dilemas, que obrigam a escolhas determinadas pelo
crescimento interior da personagem. Mesmo que consigam antecipar a
escolha, sentimo-nos recompensados porque estabelecemos uma relação
empática com a personagem. Exemplo:
The Dark Knight. Não houve ninguém que não tivesse gostado do filme de
Christopher Nolan e da personagem do
Joker.
Apesar de ser mais ou menos evidente o fio condutor, estabelecemos uma
relação empática com as personagens por mérito do vilão, que lança
dilemas, obrigando as personagens a revelar a verdadeira natureza em
situações de limite.
Má preparação ou set-up
Um dos maiores
spoilers num filme é a má
apresentação de elementos que vão ter influência no desfecho da
história. A apresentação desses elementos é fundamental, porque o
espectador necessita de ter conhecimento da existência dos mesmos para
aceitar o respectivo
pay-off/retribuição. Caso sejam
apresentados sem preparação prévia, podem provocar estranheza, confusão
ou coincidência. Três elementos inimigos de uma boa narrativa.
Exemplo de uma má preparação: no filme
Speed, na cena de perseguição no metro,
Keanu Reeves e
Dennis Hopper
estão em cima da carruagem do metropolitano, eis quando surge uma
lâmpada presa ao tecto a alta velocidade, promovida pela deslocação do
metropolitano, obrigando-os a evitar o impacto. Este acontecimento
implica que há mais lâmpadas no caminho. e seguramente algo irá
acontecer envolvendo uma das lâmpadas. Resultado:
Dennis Hopper é apanhado em cheio com uma lâmpada quando cantava vitória.
O ideal é preparar o espectador para o acontecimento embutindo o
set-up de forma subtil, quiçá, camuflado na acção. Bom exemplo de
set-up:
Condenados de Shawshank. O
climax foi meticulosamente ocultado, com a preparação misturada na acção. E de repente um bom filme, tornou-se numa obra-prima.
Caracterização das personagens. Produção e banda Sonora
A banda sonora pode ocultar ou antecipar os acontecimentos ou
identificar quem é o vilão. Para experimentar um filme de terror com
spoilers, basta ver o filme sem volume. Perdendo a intensidade da banda sonora a
surpresa deixa de ter impacto.
Mas o maior problema está com a anunciação apoteótica dos vilões, sobretudo pela caracterização.
Exemplos:
Novelas e filmes portugueses ou filmes para crianças. Basta ver cinco
minutos de uma novela qualquer para saber quem são os bons e os maus da
fita, a crítica não vai para os nossos argumentistas, mas para a
deprimente caracterização, banda sonora e actores que fazem questão de
distinguir as intenções das personagens. O mesmo aplica-se a filmes
infantis, como
Ella Encantada ou
Enchanted. É insultuoso para com o público (infantil ou não) pressupor que não é capaz de distinguir o vilão e o herói.
Bons actores em personagens secundárias
Muitas vezes o
casting indicia imediatamente o que vai
acontecer. Quando não sabemos quem é o assassino, basta identificar
entre o lote de suspeitos, qual é o actor mais conceituado, capaz de
aguentar uma cena final.
Exemplo: Ewan McGregor em
Anjos e Demónios e
Stellan Skarsgård em
The Girl With The Dragon Tatoo.
A Realização
A realização é o elemento chave do filme. Apesar de todos os
elementos identificados nos tópicos anteriores estarem relacionados com a
realização, há questões visuais que podem precipitar o
spoiler.
Um simples contrapicado pode transmitir poder, um picado poderá ser
interpretado como fragilidade… são técnicas que exacerbam posturas e
estados de espirito que pronunciam acontecimentos e relações. Quando os
enquadramentos e a direcção de fotografia privilegia uma personagem,
situação, objecto ou cenário em detrimento de outros, podemos
identificar o potencial
spoiler. Exemplo:
insert (muito grande plano de um objecto) do aparelho de respiração aquática no filme
Sherlock Holmes: A Game of Shadows. O pecado não foi cometido pelo guião, mas pela opção de
Guy Ritchie de disparar o utensilio para os nossos olhos, adiantando que haveria uma cena que iria envolver potencial afogamento.
Felizmente emergem filmes com narrativas originais,
twists
surpreendentes, técnicas pioneiras de narrativa, intenções camufladas
em acção e decisões que mantêm o desfecho da história incógnito até ao
climax do filme. Um grande bem-haja para os responsáveis de filmes como
Saw,
Memento,
Cloud Atlas e
Sete Pecados Mortais.
Há algum
spoiler que não tenha sido identificado? Qual foi o filme que mais vos surpreendeu? Está aberto o debate.